domingo, 5 de abril de 2015

                         ''Um criminoso arrependido'''

A 3 de janeiro de 1857, Mons. Sibour, arcebispo de Paris, ao sair da Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, foi mortalmente ferido por um jovem padre chamado Verger.

O criminoso foi condenado à morte e executado a 30 de janeiro. 
Até o último instante não manifestou qualquer sentimento de pesar, de arrependimento, ou de sensibilidade.

Evocado no mesmo dia da execução, deu as seguintes respostas:

1. Evocação.

R. Ainda estou preso ao corpo.

2. Então a vossa alma não está inteiramente liberta?

R. Não... tenho medo... não sei... Esperai que torne a mim. Não estou morto, não é assim?

3. Arrependei-vos do que fizestes?

R. Fiz mal em matar, mas a isso fui levado pelo meu caráter, que não podia tolerar humilhações... Evocar-me-eis de outra vez.

4. Por que vos retirais?

R. Se o visse, muito me atemorizaria, pelo receio de que me fizesse outro tanto.

5. Mas nada tendes a temer, uma vez que a vossa alma está separada do corpo. Renunciai a qualquer inquietação, que não é razoável agora.

R. Que quereis? Acaso sois senhor das vossas impressões? Quanto a mim, não sei onde estou... estou doido.

6. Esforçai-vos por ser calmo.

R. Não posso, porque estou louco... Esperai, que vou invocar toda a minha lucidez.

7. Se orásseis, talvez pudésseis concentrar os vossos pensamentos...

R. Intimido-me... não me atrevo a orar.

8. Orai, que grande é a misericórdia de Deus! Oraremos convosco.

R. Sim; eu sempre acreditei na infinita misericórdia de Deus.

9. Compreendeis melhor, agora, a vossa situação?

R. Ela é tão extraordinária que ainda não posso apreendê-la.

10. Vedes a vossa vítima?

R. Parece-me ouvir uma voz semelhante à sua, dizendo-me: Não mais te quero... 
Será, talvez, um efeito da imaginação!... 
Estou doido, volo asseguro, pois que vejo meu corpo de um lado e a cabeça de outro... afigurando-se-me, porém, que vivo no Espaço, entre a Terra e o que denominais céu... 
Sinto como o frio de uma faca prestes a decepar-me o pescoço, mas isso será talvez o terror da morte... Também me parece ver uma multidão de Espíritos a rodear-me, olhando-me compadecidos... 
E falam-me, mas não os compreendo.

11. Entretanto, entre esses Espíritos há talvez um cuja presença vos humilha por causa do vosso crime.

R. Dirvo sei que há apenas um que me apavora o daquele a quem matei.

12. Lembrai-vos das anteriores existências?

R. Não; estou indeciso, acreditando sonhar... Ainda uma vez, preciso tornar a mim.

(Três dias depois.)

13. Reconhecei-vos melhor agora?

R. Já sei que não mais pertenço a esse mundo, e não o deploro. Pesa-me o que fiz, porém meu Espírito está mais livre. Sei a mais que há uma série de encarnações que nos dão conhecimentos úteis, a fim de nos tornarmos tão perfeitos quanto possível à criatura humana.

14. Sois punido pelo crime que cometestes?

R. Sim; lamento o que fiz e isso faz-me sofrer.

15. Qual a vossa punição?

R. Sou punido porque tenho consciência da minha falta, e para ela peço perdão a Deus; sou punido porque reconheço a minha descrença nesse Deus, sabendo agora que não devemos abreviar os dias de vida de nossos irmãos; sou punido pelo remorso de haver adiado o meu progresso, enveredando por caminho errado, sem ouvir o grito da própria consciência que me dizia não ser pelo assassínio que alcançaria o meu desiderato. 
Deixei-me dominar pela inveja e pelo orgulho; enganei-me e arrependo-me, pois o homem deve esforçar-se sempre por dominar as más paixões, o que aliás não fiz.

16. Qual a vossa sensação quando vos evocamos?

R. De prazer e de temor, por isso que não sou mau.

17. Em que consiste tal prazer e tal temor?

R. Prazer de conversar com os homens e poder em parte reparar as minhas faltas, confessando-as; e temor, que não posso definir - um quê de vergonha por ter sido um assassino.

18. Desejais reencarnar na Terra?

R. Até o peço e desejo achar-me constantemente exposto ao assassínio, provando-lhe o temor.

* * *
A situação de Verger, ao morrer, é a de quase todos os que sucumbem violentamente. 
Não se verificando bruscamente a separação, eles ficam como aturdidos, sem saber se estão mortos ou vivos. A visão do arcebispo foi-lhe poupada por desnecessária ao seu remorso; mas outros Espíritos, em circunstâncias idênticas, são constantemente acossados pelo olhar das suas vítimas.

Monsenhor Sibour, evocado, disse que perdoava ao assassino e orava para que ele se arrependesse. Disse mais que, posto estivesse presente à sua evocação, não se lhe tinha mostrado para lhe não aumentar os sofrimentos, porquanto o receio de o ver já era um sintoma de remorso, era já um castigo.

Do livro “O Céu e o Inferno” - Allan Kardec
(2a. Parte - Cap. VI - Ed. FEB)

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