segunda-feira, 13 de abril de 2015

''A Divina Visão''

Muitos anos orara certa devota, implorando uma visão do Senhor.
Mortificava-se. 
Aflitivas penitências alquebraram-lhe o corpo e a alma. 
Exercitava não somente rigorosos jejuns. 
Confiava-se a difícil adestramento espiritual e entesourara no íntimo preciosas virtudes cristãs. 
Em verdade, a adoração impelira-a ao afastamento do mundo. 
Vivia segregada, quase sozinha. 
Mas a humildade pura lhe constituía cristalina fonte de piedade. 
A oração convertera-se-lhe na vida em luz acesa. 
Renunciara às posses humanas. Mal se alimentava. 
Da janela ampla de seu alto aposento, convertido em genuflexório, fitava a amplidão azul, entre preces e evocações. 
Muitas vezes notava que largo rumor de vozes vinha de baixo, da via pública.
Não se detinha, porém, nas tricas dos homens. 
Aprazia-lhe cultivar a fé sem mácula, faminta de integração com o Divino Amor.
Em muitas ocasiões, olhos lavados em lágrimas, inquiria, súplice, ao Alto: – Mestre, quando virás?
Findo o colóquio sublime, voltava aos afazeres domésticos. 
Sabia consagrar-se ao bem das pessoas que lhe eram queridas. 
Carinhosamente distribuía a água e o pão à mesa. 
Em seguida, entregava-se a edificante leitura de páginas seráficas. 
Mentalizava o exemplo dos santos e pedia-lhes força para conduzir a própria alma ao Divino Amigo.
Milhares de dias alongaram-lhe a expectação.
Rugas enormes marcavam-lhe, agora, o rosto. 
A cabeleira, dantes basta e negra, começava a encanecer.
De olhos pousados no firmamento, meditava sempre, aguardando a Visita Celestial.
Certa manhã ensolarada, sopitando a emoção, viu que um ponto luminoso se formara no Espaço, crescendo... crescendo... até que se transformou na excelsa figura do Benfeitor Eterno.
O Inesquecível Amado como que lhe vinha ao encontro.
Que preciosa mercê lhe faria o Salvador? 
Arrebatá-la-ia ao paraíso? 
Enriquecê-la-ia com o milagre de santas revelações?
Extática, balbuciando comovedora súplica, reparou, no entanto, que o Mestre passou junto dela, como se lhe não percebesse a presença. 
Entre o desapontamento e a admiração, viu que Jesus parara mais adiante, na intimidade com os pedestres distraídos.
Incontinenti, contendo a custo o coração no peito, desceu até a rua e, deslumbraria, abeirou-se dele e rogou, genuflexa:
– Senhor, digna-Te receber-me por escrava fiel!... Mostra-me a Tua vontade! Manda e obedecerei!...
O Embaixador Divino afagou-lhe os cabelos salpicados de neve e respondeu:
- Ajuda-me aqui e agora!... 
Passará, dentro em pouco, pobre menino recém-nascido. 
Não tem pai que o ame na Terra e nem lar que o reconforte. 
Na aparência, é um rebento infeliz de apagada mulher. 
Entretanto, é valioso trabalhador do Reino de Deus, cujo futuro nos cabe prevenir. 
Ajudemo-la, bem como a tantos outros irmãos necessitados, aos quais devemos amparar com o nosso amor e dedicação.
Logo após, por mais se esforçasse, ela nada mais viu.
O Mestre como que, se fundira na neblina esvoaçante...
De alma renovada, porém, aguardou o momento de servir. 
E, quando infortunada mãe apareceu, sobraçando um anjinho enfermo, a serva do Cristo socorreu-a, de pronto, com alimentação adequada e roupa agasalhante.
Desde então, a devota transformada não mais esperou por Jesus, imóvel e zelosa, na janela do seu alto aposento. 
Depois de prece curta, descia para o trabalho à multidão desconhecida, na execução de tarefas aparentemente sem importância, fosse para lavar a ferida de um transeunte, para socorrer uma criancinha doente ou para levar uma palavra de ânimo ou consolo.
E assim procedendo, radiante, tornou a ver, muitas vezes, o Senhor que lhe sorria reconhecido...

Irmão X
Extraída de “Contos e Apólogos”
Recebida por Francisco Cândido Xavier

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