quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

CHUVA NO CARNAVAL

 (saneamento da psicosfera)

As passarelas públicas estavam repletas, os carros alegóricos estacionados, as filas de foliões já preparadas, os ingredientes alcoólicos para a alienação já devidamente gelados e distribuídos, tudo em seus lugares.

Enquanto isso, a chuva, que desde a tarde já dera indicativos de sua presença, agora, na escuridão do céu, se fazia notar pelos relâmpagos esporádicos que, ao longe, demonstravam a formação de nuvens agitadas que, pela velocidade do deslocamento, chegariam brevemente ao local dos festejos.

Os amantes do carnaval apostavam, no entanto, que se trataria de uma chuva de verão, passageira e aliviadora do calor, uma forma de manter o entusiasmo dos foliões e do público.

No entanto, não importavam os argumentos dos locutores, as palavras esperançosas dos integrantes das escolas, a ação do público desejoso de prestigiar a sua agremiação predileta. As nuvens seguiam alternando o clarão que se intensificava com o ruído surdo e abafado dos trovões que se faziam ouvir cada vez mais intensos.

O tempo já encoberto da tarde ia se agravando quando a primeira agremiação iniciou seu desfile, colocando todas as suas energias para contagiar o público, como se o mundo tivesse parado naquele momento e nada mais existisse.

O clima quente da rua fora substituído pelas rajadas úmidas, arrancando penas das fantasias, desequilibrando pessoas nos diversos carros alegóricos, arrancando abanadores das mãos do público.

A escola continuou a descer, tentando fazer de conta que nada estava acontecendo, e o público, ansioso para vislumbrar toda a beleza de suas alas, firmou pé na arquibancada, fingindo que aquilo não passava de aragem inocente.

A chuva, que começara discreta, apertou inclemente, obrigando os espectadores a improvisarem proteção ou a se afastarem em busca de abrigo mais adequado.

A bateria e seus instrumentos disputavam a atmosfera com os ruídos da chuva, abafados pelos trovões e pelos plásticos protetores que alguns instrumentistas colocavam sobre o couro dos instrumentos de percussão, para evitar a intensa umidade.

A chuva derrubava alegorias, adereços, molhava as fantasias e esfriava os ânimos.

Por fim, os próprios locutores que transmitiam o carnaval pelas diversas redes de televisão perderam o ímpeto e se revezavam entre as notícias do desfile carnavalesco e as inúmeras chamadas informando sobre as condições do tempo e da tormenta que caía sobre o lugar, lavando o asfalto.

Os homens, entretanto, não imaginavam que tais eventos da natureza eram medidas providenciadas pelos planos superiores para o saneamento da psicosfera extremamente densificada do ambiente dos encarnados, piorada com a chegada dos seus sócios em perversidades e excessos, nem quantos benefícios tinham sido garantidos pela sua ocorrência.



Livro Esculpindo o Próprio Destino, cap. 17,
Espírito Lúcius – psicografia de André Luiz Ruiz.

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