sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O Impacto Espírita

A tese das três revelações, colocada e definida pelo Espiritismo, implica certos problemas que em geral não são bem compreendidos. 
Há quem pergunte, por exemplo: 
“Antes da I Revelação, a mosaica, Deus não havia revelado nada aos homens?”

É claro que sim. 
O Espiritismo ensina que o processo da revelação é contínuo, incessante, realizando-se através da mediunidade. 
Mas acontece que a revelação de Moisés assinalou o primeiro momento decisivo da espiritualização do mundo. 
Foi o marco histórico da concepção monoteísta. 
Com Moisés, e conseqüentemente com a Bíblia(codificação da I Revelação), os homens aprenderam a substituir os deuses formais do passado pelo Deus verdadeiro e único, em espírito e verdade. 
E aprenderam também que Deus é providência, criou o mundo e o dirige, conduzindo os homens através da história.

Até Moisés, o mundo é politeísta e mágico. 
O pensamento humano não é histórico, mas mitológico. 
Com a Revelação surge o monoteísmo e o historicismo. 
Essa a razão de a chamarmos “primeira”, pois é decisiva quanto à modificação dos rumos humanos, em direção a um futuro de constante progresso. 
O monoteísmo unificará, daí por diante, o sentimento e a vontade, e o historicismo dirigirá a razão. 
Não se trata mais de revelações parciais, de ensaios preliminares, mas de uma revelação que abre as portas da universalidade, da compreensão total do universo e da vida. 
Com essa revelação inicia-se aquilo que hoje chamamos de Civilização Cristã do Ocidente. 
No Oriente continuarão ainda a desenvolver-se as revelações parciais e locais, até que o impacto do pensamento ocidental comece a modificar o panorama de suas velhas concepções.

O desenvolvimento natural da primeira revelação é o aparecimento de Cristo. 
Sua mensagem é codificada nos Evangelhos, seguidos dos demais livros que, com aqueles, formam o Novo Testamento. 
Ao monoteísmo e ao historicismo a II Revelação adiciona o ingrediente moral da salvação. 
A concepção do Deus único e espiritual, e do desenvolvimento histórico do mundo, dirigido pela Providência, enriquece-se com um elemento novo: o finalismo. 
Deus fez o mundo e o dirige com uma finalidade definida. 
O dogma bíblico da queda revela o seu sentido, que a alegoria ocultava: o homem surgiu, na Terra, simples e ignorante, para adquirir por si mesmo a complexidade moral e a sabedoria espiritual, tornando-se digno do Criador. 
Esse finalismo traz em si mesmo o impulso do universalismo. 
Deus não é apenas o Criador , mas é principalmente o Pai. Nunca essa palavra havia tido tão amplo sentido. 
Nos Evangelhos, Deus é Pai. 
Em conseqüência, todas as criaturas são irmãs.

Claro que uma revolução tão profunda não poderia realizar-se num dia, nem mesmo num século ou num milênio. 
A mensagem cristã, que completava a mosaica, teria de penetrar o mundo como a água da chuva penetra o chão, misturando-se a ele e às suas impurezas. 
Primeiro, havia o barro. 
E desse barro, dessa mistura de politeísmo com o monoteísmo, do mito com a história, do acaso com o finalismo, do acidental com a providência, do incerto com a salvação(certeza da fé), surgiria o novo homem, feito à imagem e semelhança do novo Deus. 
Mas um homem ainda incompleto, em fase de modelagem. 
Por isso Jesus anunciou uma nova revelação, que ainda viria, depois que ele fosse “para o Pai”, formulando a promessa do Consolador, no evangelho de João.

Somente decorridos quase dois milênios, amassado esse barro de terra e luz, de elementos humanos e divinos, pôde então surgir a III Revelação. 
E o que trouxe ela? Um novo ingrediente, para misturar os anteriores, completando a fórmula divina: o monismo. 
Essa palavra, interpretada sem sentido espiritual, resume a concepção espírita do universo. 
A paternidade universal de Deus deixa de ser uma formulação teórica para tornar-se prática. 
A fraternidade universal não decorre mais de um princípio abstrato. 
A reencarnação justifica o mandamento do amor do próximo, no plano imediato da vida física. 
A lei de causa e efeito mostra a unidade fundamental do cosmos. 
O túmulo vazio dos relatos evangélicos adquire um sentido simbólico, pois a morte é substituída pela ressurreição, e essa se despoja do aspecto mítico do passado, para apresentar-se com um sentido histórico, na sucessão temporal imediata das formas vitais. 
Por outro lado, a concepção monista do universo abre as portas à compreensão do processo de intercâmbio espiritual. Desaparece a barreira que separava o plano espiritual do plano material. Homens e espíritos podem confabular, permutar experiências conscientemente, marchar de mãos dadas rumo à perfeição espiritual, que é o objetivo comum.

É evidente que todos esses ingredientes reunidos pelas revelações sucessivas sempre existiram no mundo. 
Mas somente com elas, e graças a elas, puderam juntar-se numa forma vital e portanto dinâmica, eficiente, constituindo aquilo que Dilthey chamaria “a consciência metafísica do ocidente”. 
No desenrolar histórico das três revelações, esses ingredientes passaram de potência a ato, para usarmos a linguagem aristotélica. 
E assim chegamos ao momento em que esses elementos entram em ação efetiva no mundo, para transformá-lo. 
A III Revelação, ao Espiritismo, coube a função de completar o sistema, dar-lhe a demão final e dinamizá-lo na prática. 
Esse gigantesco trabalho ainda não está realizado, mas desenvolve-se de maneira auspiciosa. 
O mundo inteiro está sofrendo o impacto do Espiritismo, em nosso século, como no século primeiro sofreu o impacto do Cristianismo.

Herculano Pires, Do Livro: Os Três Caminhos de Hécate 

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