Entenda a base religiosa de Além do Tempo
Tema central na obra de Elizabeth Jhin, a reencarnação é pano de fundo para uma história
de encontros e desencontros, ou, como foi anunciada a segunda fase da trama pela
emissora, de "amores que não cabem numa só vida". Para contar seu romance
espiritualista
água com açúcar, da mocinha que sofre até o último capítulo para poder ficar com seu
grande amor, a autora resolveu contextualizar seu dramalhão na circularidade da vida.
Em entrevista ao site UOL, Jhin explicou sua tendência em retratar um conceito que, salvo
a devidas particularidades, aparece em crenças e sistemas filosóficos bastante próprios.
"Eu gosto muito de falar sobre espiritualidade, mas sem ligar a religião, a doutrina
nenhuma.
A reencarnação é uma questão de várias religiões, quase todas as grandes religiões
estabelecidas falam nisso. E todos os povos, desde a mais remota antiguidade, falam
muito
nessa coisa de voltar", afirmou.
Nas principais religiões divulgadoras da reencarnação no Brasil se encontra o espiritismo codificado por Allan Kardec, que buscou legitimá-lo como sendo uma tríplice entre ciência, filosofia e religião. Segundo dados revelados em 2010 pelo censo do IBGE, cerca de
Nas principais religiões divulgadoras da reencarnação no Brasil se encontra o espiritismo codificado por Allan Kardec, que buscou legitimá-lo como sendo uma tríplice entre ciência, filosofia e religião. Segundo dados revelados em 2010 pelo censo do IBGE, cerca de
4 milhões de brasileiros (2% do total da população) se identificam como espíritas –
o que faz do espiritismo o terceiro maior grupo religioso do país. Mas seu alcance,
acredita-se, deve ser ainda maior na medida em que conteúdos da doutrina são
praticados e aceitos por adeptos de outras religiões.
Elizabeth Jhin, autora da novela "Além do Tempo"
Diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), João Rabelo acredita que
Elizabeth Jhin, autora da novela "Além do Tempo"
Diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), João Rabelo acredita que
"Além do Tempo" pode ser vista equivocadamente pelo público leigo como uma
novela espírita justamente porque fala de vidas passadas, uma das características
da doutrina que tem ainda pontos centrais como mediunidade e comunicação com
os mortos.
"Essa é a imagem que está ficando na sociedade, de que é uma novela espírita
"Essa é a imagem que está ficando na sociedade, de que é uma novela espírita
porque trata de reencarnação. Se fosse essencialmente espírita, a novela faria
proselitismo. Aí viraria uma aula de religião. Ela provoca o interesse do público
para conhecer mais [sobre reencarnação e espiritismo]. Durante a novela, os nossos
livros de reencarnação aumentaram as vendas em 20%", diz Rabelo, que gosta da
abordagem da trama.
A possível confusão, se é ou não uma novela espírita, também pode ser explicada
A possível confusão, se é ou não uma novela espírita, também pode ser explicada
porque o próprio espirtualismo, que se ocupa primordialmente do plano espiritual
como um fato da realidade, é um campo bastante vasto que abrange muitas religiões reencarnacionistas. "Há uma transitividade entre espiritualismos e espiritismos, não
são campos opostos e nem com fronteiras muito rígidas. Nenhuma religião forma
um bloco monolítico. Dentro delas, há várias correntes e interpretações, filosofias
e até várias teologias", explica a cientista da religião e professora da Pontifícia
Universidade Católica de Sã Paulo (PUC-SP) Maria Angela Vilhena. "Há tradições afro,
ibéricas, medievais, europeias atuais, hinduístas, budistas... Não faltam tradições
espiritualistas e reencarnacionistas", exemplifica.
Espiritismo e reencarnação
Apesar da liberdade que o próprio tema oferece à autora, que não precisa se
Espiritismo e reencarnação
Apesar da liberdade que o próprio tema oferece à autora, que não precisa se
comprometer com uma corrente filosófica ou religiosa específica para se lançar em
um tipo de abordagem metafísica, cabe certa correspondência entre a reencarnação
trabalhada na novela com a que é própria do kardecismo. Não por acaso,
Wagner de Assis, diretor do filme espírita "Nosso Lar", é um dos colaboradores de
Jhin.
"É muito agradável aos espíritas pensar que a reencarnação não é um castigo, mas
"É muito agradável aos espíritas pensar que a reencarnação não é um castigo, mas
uma nova oportunidade que Deus está dando para o espírito evoluir. Kardec começa
a trabalhar nisso no momento em que a teoria do [Charles] Darwin sobre o
evolucionismo das espécies era a novidade científica da época. É dentro dessa linha evolucionista que ele começa a falar na reencarnação, como uma chance para se
aperfeiçoar em novas experiências possibilitadas em uma outra encarnação",
afirma Maria Ângela.
No folhetim das seis, os personagens não apenas têm seus destinos cruzados na
No folhetim das seis, os personagens não apenas têm seus destinos cruzados na
nova vida como voltam, em alguns casos, em relações de sangue aparentemente
imprevisíveis como é o caso de Vitória (Irene Ravache) e Emília (Ana Beatriz Nogueira).
Se elas tinham uma rivalidade complicada na primeira fase, agora elas reencarnam como mãe e filha. Tudo gira em torno da lei do carma, na causa e efeito, e visando a evolução espiritual.
"Dentro do pensar espírita, existe a possibilidade de, no plano astral, se escolher onde renascer e com quem conviver [na encarnação]. Eu, por exemplo, escolhi ser mãe da minha e filha e ela escolheu ser minha filha. É uma análise combinatória metafísica complicadíssima (risos). Se eu fui, por exemplo, uma mãe muito chata, castradora, posso ser a filha da minha filha – mas é sempre nessa ótica do Kardec de aprendizado, e não como castigo", pondera a cientista da religião.
Públicos das novelas espiritualistas
Novelas com foco na espiritualidade são uma tradição na teledramaturgia da Globo,
"Dentro do pensar espírita, existe a possibilidade de, no plano astral, se escolher onde renascer e com quem conviver [na encarnação]. Eu, por exemplo, escolhi ser mãe da minha e filha e ela escolheu ser minha filha. É uma análise combinatória metafísica complicadíssima (risos). Se eu fui, por exemplo, uma mãe muito chata, castradora, posso ser a filha da minha filha – mas é sempre nessa ótica do Kardec de aprendizado, e não como castigo", pondera a cientista da religião.
Públicos das novelas espiritualistas
Novelas com foco na espiritualidade são uma tradição na teledramaturgia da Globo,
que em seu histórico traz as bem-sucedidas "A Viagem" (1994), "Alma Gêmea" (2005)
e "Alto Astral" (2014). A própria Elizabeth Jhin já tateou o tema em produções que assinou, como "Eterna Magia" (2007), "Escrito nas Estrelas" (2010) e "Amor Eterno Amor" (2012). As apostas da emissora nesse filão, portanto, não acontecem por acaso. O resultado de audiência que se obtém justifica que elas sejam produzidas. Mas por que novelas de cunho espiritualista costumam agradar o público?
"As pessoas costumam gostar porque se trata de uma das questões fundamentais da humanidade, para onde vamos ou que podemos esperar após a morte. São novelas que oferecem uma resposta que não é tão trágica quanto a que é dada pelo monoteísmo
"As pessoas costumam gostar porque se trata de uma das questões fundamentais da humanidade, para onde vamos ou que podemos esperar após a morte. São novelas que oferecem uma resposta que não é tão trágica quanto a que é dada pelo monoteísmo
cristão e islâmico. É algo muito menos trágico do que o inferno cristão e islâmico,
onde não há mais chance. Quem é que quer algo assim? Os espiritualismos oferecem
uma resposta menos dolorosa, mais palatável, em relação ao futuro. Se a todos é dada
uma nova oportunidade, é melhor assim do que uma condenação eterna", analisa
Maria Angela.
Eduardo Miyashiro, diretor geral da Aliança Espírita Evangélica, tem uma hipótese para identificação dos telespectadores com "Além do Tempo". "Na reencarnação e no carma
Eduardo Miyashiro, diretor geral da Aliança Espírita Evangélica, tem uma hipótese para identificação dos telespectadores com "Além do Tempo". "Na reencarnação e no carma
existe uma forma de se recompensar ou incentivar uma boa conduta moral, ou então
de tentar se restringir um comportamento prejudicial a outras pessoas.
O senso moral é uma questão do ser humano", diz.
Descendente de italianos, o paulista Chester Raymondi cresceu na igreja católica e
Descendente de italianos, o paulista Chester Raymondi cresceu na igreja católica e
teve acesso, também, aos universos do espiritismo kardecista e da umbanda.
Há 42 anos ele dirige na Vila Maria, Região Norte de São Paulo, a Associação
Beneficente Irmão Juarez, uma casa com trabalhos de cura às terças, quando ele
incorpora um médico, e voltada às sextas para "um misto de kardecismo e umbanda",
em suas palavras.
O senhor Chester também faz parte dos espectadores alcançados pela novela. Ele fala da identificação com a trama: "Tem um fundo espiritual, e isso é importante porque está despertando as pessoas para esse algo a mais". "Vi alguns capítulos [de 'Além do Tempo']. A reencarnação diz muito sobre as nossas vidas. Existem espíritos evoluídos que
O senhor Chester também faz parte dos espectadores alcançados pela novela. Ele fala da identificação com a trama: "Tem um fundo espiritual, e isso é importante porque está despertando as pessoas para esse algo a mais". "Vi alguns capítulos [de 'Além do Tempo']. A reencarnação diz muito sobre as nossas vidas. Existem espíritos evoluídos que
reencarnam. E os apóstolos? Vai saber se Allan Kardec não foi um apóstolo do Cristo?
Aos 16 anos ele substituía [o pedagogo suíço] Pestalozzi, de quem era discípulo,
nas aulas. Era um homem muito inteligente", especula.
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